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Mortes colocam serenidade à prova : 17/07/2009

A confirmação de mais cinco mortes devido à gripe A no Estado, que ontem elevou a contabilidade oficial para sete vítimas em solo gaúcho e 11 em todo o país, alçou a doença à condição de epidemia e destacou o Estado no mapa mundial do registro de casos.

Uma das explicações para a escalada de óbitos seria a disparada nas contaminações: a Secretaria Estadual de Saúde informou ontem que o vírus já circula livremente e os casos passam de mil, embora os registros oficiais se limitem a 138. Para o epidemiologista Bruce Duncan, professor de Medicina Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a situação agora é de alerta.
– Não quero dar margem a alarmismo, não tenho indício de que o Estado não está fazendo o que deve ser feito, nem quero sugerir que as orientações devem ser diferentes, mas a situação é obviamente preocupante porque estamos diante de uma potencial epidemia de impacto – diz o especialista.

O emaranhado estatístico:
Apesar dos sete mortos no Rio Grande do Sul, a secretaria insiste que o novo vírus não é mais letal do que o da gripe comum. Essa garantia das autoridades, contudo, não está lastreada em números concretos sobre o Estado, mas em estimativas e projeções. Os dados objetivos revelam apenas que as estatísticas sobre gripe são um emaranhado sujeito a grandes distorções. Veja a comparação:
Levando esses cálculos em consideração, a gripe A estaria matando mais no Estado do que a gripe comum. Confrontado com esses dados, porém, o secretário estadual da Saúde, Osmar Terra, reconhece que o número de casos do novo vírus no Estado na realidade é muito superior ao dos confirmados – o que faria diminuir a taxa de letalidade.
– Considerando isso, continuamos dentro da taxa de letalidade mundial – disse Terra.
O problema é que fazer comparações se torna complicado porque as estatísticas sobre gripe mascaram os dados. Oficialmente, somente quatro gaúchos morreram de gripe em 2008. Considerada a taxa de letalidade de 1,5%, isso significaria que apenas 450 pessoas se griparam no Rio Grande do Sul no ano passado. Não se faz ideia do número real, mas se sabe que uma parcela muito expressiva da população teve o vírus em 2008. Há duas razões para esse absurdo estatístico:

1) Os registros de óbito são imperfeitos.
Cada vez que uma pessoa morre, o médico deve preencher uma declaração informando a causa da morte. Esse documento vai para a secretaria e vira estatística. No caso da gripe, não é praxe que se faça o exame para confirmar que o doente tinha o vírus. O médico atesta a causa da morte pela observação clínica.
No começo da epidemia de gripe A do Estado, o secretário Osmar Terra apresentou o número de mortos por gripe comum em 2008 no Estado para mostrar como ela era mais perigosa do que a nova: pelos registros, eram 14 vítimas do influenza.
O coordenador do Sistema de Informações sobre Mortalidade da secretaria, Paulo Grassi, achou o número muito alto e procedeu a uma investigação. Mandou virem as 14 declarações. Ao analisá-las, reviu o número para as quatro assumidas agora.
As razões para as outras 10 serem descartadas mostram como as estatísticas podem ser enganosas. Em dois dos casos, as mortes haviam sido por cardiopatia hipertensiva – nenhuma relação com a gripe. O problema é que os códigos da primeira (I 11.0) e da segunda (J 11.0) são parecidos e houve confusão na hora do preenchimento. Os outros oito casos viraram oficialmente mortes por pneumonia porque era o que constava na declaração de óbito.

2) Não há controle de quantas pessoas contraíram o vírus.
Isso ocorre porque grande parte dos pacientes nem sequer procura um médico. Quando procuram, não têm a doença notificada. O grande complicador, contudo, é que, em muitos casos, a gripe provocou alguma outra condição, que por sua vez levou à morte. A mais comum é a pneumonia. No ano passado, mais de 2,5 mil pessoas tiveram morte atestada por pneumonia pelo médico. Acredita-se que uma parte considerável delas tenha se originado de uma gripe.
– A estatística pode estar bastante subestimada, porque o médico tende a colocar a causa terminal do óbito– diz Grassi.

A doença entra em nova fase:
Para epidemiologistas as mortes e a multiplicação do número de casos – há três outros casos de mortes suspeitas, em Uruguaiana, Santa Maria e Passo Fundo – colocam a doença em uma nova fase no Estado. Conheça três razões para ficar em alerta:

1) A mortalidade aumentou
– Os números demonstram que estamos frente a uma carga maior de mortalidade em relação a um, dois meses atrás – diz o epidemiologista Bruce Duncan, da UFRGS:

2) As pessoas não têm resistência
– Como é um vírus novo, não há resistência entre a população, e a contaminação é mais fácil. A gripe sazonal encontra maior imunidade prévia e precisa “catar” pessoas sem anticorpos – afirma o epidemiologista Jair Ferreira, do Hospital de Clínicas:

3) Médicos se sentem limitados
Quem se encontra no front do atendimento clínico, como o pediatra e alergista Hélvio da Silva, reclama da falta de acesso ao único remédio capaz de combater a doença, o Tamiflu. Como o governo federal estoca o produto, que deixou de estar disponível do mercado, ele não tem como receitar o produto para os pacientes suspeitos no período em que ele é eficaz – as primeiras 48 horas após o surgimento dos sintomas.
– Atendi uma professora com sintomas da gripe A, que inclusive já havia se vacinado contra a gripe sazonal. Ela poderia tomar Tamiflu, mas não se encontra. Então, tive de mandá-la para casa com a recomendação de ficar em isolamento – reclama o médico, de Santiago.

Por que o Tamiflu sumiu?
O infectologista Breno Riegel Santos, chefe do serviço de infectologia do Hospital Conceição – uma das referências para tratamento no Estado –, afirma que abrir os estoques para venda poderia gerar um uso indiscriminado, mesmo sob receita, já que cerca de 17% dos casos suspeitos são confirmados em laboratório.
Como esses testes demoram entre cinco e sete dias para ficarem prontos, e a janela para tratamento com o Tamiflu é de 48 horas, o medicamento é aplicado a todo caso de gripe que exige internação, seja sazonal ou do tipo H1N1.
– Não há como esperar, a não ser que os testes fossem feitos mais rapidamente – afirma.
O Laboratório Central do Estado, que poderia realizar testes e agilizar os diagnósticos, ainda não começou a fazer o trabalho de confirmação da nova gripe.
– Temos a promessa da Fiocruz de que até o fim da semana devem capacitar e passar os insumos para que isso seja iniciado – afirma o diretor do Centro Estadual de Vigilância em Saúde do Estado, Francisco Paz.

 Fonte: Jornal Zero Hora - 17/07/09